Volumen 33
Número 65

Abril - Mayo 2022
ISSN: 1851-1716

Comunicación

Fake news e ensino de ciências: compreensões e discussões para o ensino e a pesquisa

Fake news and science teaching: understanding and discussions for teaching and research

Las Fake news y la enseñanza de las ciencias: comprensiones e discusiones para la docencia y la investigación

Karina Paes Delgado
Universidad Federal de São Carlos, Brasil
Tathiane Milaré
Universidad Federal de São Carlos, Brasil

Fake news e ensino de ciências: compreensões e discussões para o ensino e a pesquisa

Ciencia, Docencia y Tecnología, vol. 33, núm. 65, 2022

Universidad Nacional de Entre Ríos

Recepción: 11 Agosto 2021

Aprobación: 08 Junio 2022

Resumo: As fake news são facilmente acessadas e compartilhadas pela internet, podendo influenciar negativamente a população. Para combatê-las, é necessário compreender o que são, como se constituem e como podem ser desmascaradas. Entendendo que uma formação crítica da população é necessária para evitar seus impactos, e que o ensino de ciências é potencialmente indicado para contribuir com essa formação, esse trabalho propôs responder e compreender aspectos relacionados com as questões: quais são as possíveis compreensões sobre as fake news e de que forma elas podem ser relacionadas ao ensino de ciências? Qual é o papel do ensino e da pesquisa em ensino de ciências diante desse fenômeno? Buscou-se apresentar algumas compreensões sobre fake news e sua articulação com possibilidades para o ensino de ciências. É possível indicar que o uso dessa temática para o ensino de ciências ainda é uma lacuna da área, que merece atenção e necessidade de maiores discussões.

Palavras-chave: notícias falsas, pós-verdade, pesquisa em ensino de ciências.

Abstract: On the internet, fake news are easily accessed and shared, negatively influencing the population. In order to avoid them, it is necessary to understand what they are, how they are constituted and how they can be unmasked. Science education is potentially indicated to contribute to a critical education of the population that is necessary to prevent the impacts of fake news. The research questions are: how can we understand fake news and relate them to science teaching? What is the role of teaching and research in science teaching in the face of this phenomenon? Some understandings of fake news and the possibilities of its approach to science education are presented. The results indicate that the use of this theme for science teaching is still a gap in the area, which deserves attention and the need for further discussions.

Keywords: fake news, post-truth, science education research.

Resumen: Las fake news son de fácil acceso y se comparten por internet, pudiendo influir negativamente a la población. Para combatirlas es necesario comprender qué son, cómo se constituyen y cómo pueden ser desenmascaradas. Entendiendo que es necesaria una formación crítica de la población para evitar sus impactos, y que la enseñanza de las ciencias está potencialmente indicada para contribuir a esa formación, este trabajo se propuso responder e comprender aspectos relacionados con los interrogantes: ¿Cuáles son las posibles comprensiones sobre las fake news y de qué forma éstas pueden relacionarse con la enseñanza de las ciencias? ¿Cuál es el papel de la docencia y de la investigación en enseñanza de las ciencias frente a ese fenómeno? Buscamos presentar algunas comprensiones sobre las fake news y su articulación con posibilidades para la enseñanza de las ciencias. Es posible afirmar que el uso de esta temática para la enseñanza de las ciencias aún es un vacío en el área, que merece atención y requiere más discusiones.

Palabras clave: noticias falsas, posverdad, investigación en enseñanza de las ciencias.

Introdução

Nos últimos anos, desde, pelo menos, as eleições presidenciais dos Estados Unidos da América em 2016, houve um grande advento do uso do termo fake news. Diversas são as discussões entorno dessa expressão (Braga, 2018; Delmazo e Valente, 2018; Frias Filho, 2018; Meneses, 2018; Bittencourt e Santos, 2019) já integrada no vocabulário da população de vários países que fica à mercê de tentar descobrir se são verdadeiras ou falsas as informações com as quais tem contato diariamente. As fake news se tornaram um fenômeno mundial, e a alta taxa de compartilhamento dessas desinformações, como são chamadas por não repassarem informações verídicas para seus leitores, tem preocupado diversos âmbitos da sociedade, em especial, o educacional (Santos e Almeida, 2020).

Com a situação pandêmica por causa do novo coronavírus, o aparecimento e compartilhamento das fake news se intensificaram, juntamente com a preocupação de quais podem ser as consequências sociais dessa tempestade de desinformação que assola o mundo todo. Assim, existe a necessidade de se entender como é definido e compreendido o termo fake news, discutir o que são, por que são tão compartilhadas e por quais motivos surgem, para que possa ser possível propor meios para combatê-las. Uma das hipóteses é que existam na literatura apontamentos sobre as fake news considerando-as como conteúdos criados e disseminados com propósitos bem definidos, ou seja, acredita-se que por trás delas existam intenções de certos grupos, que, por algum motivo, querem e se beneficiam do compartilhamento delas.

Outra hipótese é que as pesquisas acadêmicas apresentem discussões preocupadas com o combate a esse fenômeno, em escala nacional e mundial. Provavelmente, a melhoria da educação da população em geral seja apontada como um campo frutífero para superar os impactos das fake news em longo prazo. Uma formação crítica dos cidadãos promoveria reflexões acerca do que estes estão lendo, ouvindo e compartilhando. Como proposta para se pensar nesse objetivo, tem-se a Alfabetização Científica e Tecnológica como vertente teórica para nortear o ensino de ciências nas escolas de nível básico.

A partir desse panorama, o presente trabalho tem como objetivo discutir quais são as compreensões acerca das fake news apresentadas na literatura, bem como discutir o papel do ensino de ciências e da pesquisa em educação científica nesse contexto. Assim, pretende-se responder às seguintes questões: quais são as possíveis compreensões sobre as fake news e de que forma elas podem ser relacionadas ao ensino de ciências? Qual é o papel do ensino e da pesquisa em ensino de ciências diante desse fenômeno? Para responder tais questões, primeiramente será feita uma revisão e levantamento de caráter exploratório de trabalhos da literatura brasileira e internacional que discutem a temática e, posteriormente, a discussão será levada ao âmbito do ensino de ciências, finalizando com algumas conclusões iniciais e propostas para prosseguimento dos estudos.

Fake news: algumas definições e compreensões

Apesar de estar sendo muito utilizado nos dias atuais, o termo fake news ainda é alvo de discussões quanto à sua origem e definição. Mc Guillen (2017 apud Delmazo e Valente, 2018) apresenta a dificuldade e o alto custo em mandar repórteres para o exterior, já no século xix, como motivos para que alguns deles fingissem estar em lugares mais distantes e escrevessem mentiras sobre estas localidades. Assim, a origem das fake news, mesmo que ainda não se utilizassem desse termo, se deu a partir do próprio ser humano como sendo mentiroso, com intenções claras ao produzir materiais com informações inverídicas.

Corroborando com a ideia de que as fake news existem há bastante tempo, Frias Filho (2018) aponta episódios da história que foram alvos de criação de fake news, como quando o homem chegou à Lua pela primeira vez, em 1969, em que foi levantada a ideia de que esse acontecimento não teria ocorrido, e, no contexto brasileiro, na ocasião da morte do ex-presidente Tancredo Neves, em 1985, surgindo boatos de que a causa da morte não teria sido por motivo de doença. Apesar das discussões sobre as fake news terem crescido muito na última década, é de se afirmar que várias delas já eram utilizadas há muito tempo durante a história da humanidade (Frias Filho, 2018; Bittencourt e Santos, 2019).

Meneses (2018) defende que o surgimento das fake news é bem mais recente, sendo um fenômeno de, em média, 20 anos, e vincula a origem do fenômeno das fake news com o surgimento da internet e das redes sociais, algo próprio da tecnologia que se tem disponível nos dias de hoje, mesmo que anteriormente existissem notícias com características parecidas. Discute, ainda, que esse fenômeno ascendeu com as eleições presidenciais dos Estados Unidos em 2016, e que o termo, propriamente dito, teria surgido por meio de falas e postagens em redes sociais do então presidente Donald Trump, a partir de janeiro de 2017 (Meneses, 2018).

Quanto à definição do termo, os apontamentos de Allcott e Gentzkow (2017), Frias Filho (2018) e Meneses (2018) se aproximam quanto à concepção de fake news como informações falsas criadas intencionalmente para a manipulação e enganação dos leitores. Já Braga (2018) defende que fake news é o fenômeno de disseminação de notícias sabidamente falsas, com intenções de obter vantagem política ou econômica. Bittencourt e Santos (2019) concebem as fake news como um tipo de violência, uma vez que as intenções que elas trazem se caracterizam como o uso de um poder para chegar a um objetivo específico, podendo ser relacionado com a violência simbólica.

Outra preocupação que se encontra na literatura é a diferenciação de fake news e false news. Meneses (2018: 40, destaque nosso) discute que

não é por serem publicadas (também) na Internet que algumas notícias (falsas) passam a ser fake news. Notícias falsas sempre existiram e sempre existirão, mas […] elas só são simultaneamente fake news se existir uma ação deliberada de enganar os consumidores. […] partimos do pressuposto de que fake news e false news são realidades diferentes, na medida em que estas últimas não resultarão, na maior parte das vezes, de uma ação deliberada, mas de outros fatores, como a incompetência ou a irresponsabilidade dos jornalistas na forma como trabalham as informações fornecidas pelas fontes (será este o principal fator, ainda que não único).

Diante do exposto, concordamos com Meneses (2018), entendendo que há diferença entre as false news e as fake news. Pode-se definir, então, que as false news são informações, notícias ou documentos gerados pelo setor jornalístico que se constituiu a partir de erros quanto à apuração de dados, resultando em um conteúdo que é falso. Enquanto que as fake news são informações, notícias ou documentos constituídos de conteúdo falso que foram criadas intencionalmente dessa forma, com o intuito de se obter algum tipo de vantagem ou benefício diante da enganação e manipulação da população, provavelmente produzidas por outros âmbitos e instituições que não o jornalismo. Entendemos, ainda, que as fake news foram utilizadas no decorrer da história da humanidade, mas que só foram definidas, melhor identificadas e compreendidas, a partir do surgimento da internet e, especialmente, das redes sociais.

Com a definição devidamente construída, é necessário discutir sobre as intenções que permeiam o universo das fake news. Na literatura, é possível encontrar discussões sobre duas intenções principais: a geração de lucro e a manipulação dos leitores (Braga, 2018; Delmazo e Valente, 2018; Frias Filho, 2018; Meneses, 2018).

Quanto à geração de lucro, Delmazo e Valente (2018) discutem sobre grupos, especialmente de jovens, que produzem as fake news com o intuito de compartilhá-las nas redes sociais para gerar cliques que resultariam em lucro. Essa geração de lucros, a partir de simples cliques nos links das notícias, é possível graças aos anúncios e às propagandas vinculadas às publicações. Braga (2018) explica que esse tipo de fake news usa de níveis de sensacionalismo extremos sem grandes consequências, visto que o desejo é atrair a atenção dos leitores para que entrem e cliquem no link e tenham contato, portanto, com a publicidade que está disposta no site. Por mais que os leitores, ao lerem a notícia, a identifiquem como falsa, o objetivo dessa fake news quanto à visualização dos anunciantes já foi alcançado (Braga, 2018).

Sobre a intenção de manipulação da população, é possível destacar um aspecto bastante amplo, que é a tentativa de modificar ou influenciar debates políticos e ideológicos. Compreendendo que fake news foram, e ainda são, utilizadas no decorrer da história da humanidade, pode-se dizer que

múltiplas fake news foram utilizadas como mecanismo de controle das massas, inúmeros fatos de pós-verdade utilizados para impulsionar essas mesmas, movidos por uma força coletiva, provinda de líderes invisíveis que determinam, os mais diversos aspectos da sociedade, por meio dos atos de propaganda, levando a humanidade a tomar diversas vezes rumos duvidosos, ou até mesmo catastróficos. (Bittencourt e Santos, 2019: 45, destaque nosso)

Como exemplo de fake news utilizada para a manipulação populacional quanto à política, Bittencourt e Santos (2019) relatam sobre as utilizadas nas campanhas nazistas contra os judeus. Dentre elas, circulava entre a população alemã a informação de que os judeus tinham a intenção de dominar o mundo, discurso que fora criado pelos poderosos e comandantes da época para culminar o ódio contra os judeus. O restante da história já se conhece, mas devemos relembrá-la como meio de compaixão e de homenagem àquele povo que tanto sofreu: com a ascensão e o fortalecimento do partido nazista, especialmente pelas notícias intencionalmente falsas, o povo judeu foi feito de escravo, tratado como objeto e cruelmente morto em campos de concentração a partir das terríveis câmaras de gás. Esse terrível exemplo de uso de fake news para manipulação política, nos faz acreditar nas consequências catastróficas que tais conteúdos podem trazer para a humanidade, sobretudo quando a disseminação é facilitada pelos recursos tecnológicos.

Outro exemplo, mais recente, que podemos citar se encontra no contexto das eleições presidenciais dos Estados Unidos da América em 2016. Segundo Allcott e Gentzkow (2017), 115 histórias falsas a favor da campanha de Donald Trump foram compartilhadas na internet mais de 30 milhões de vezes, contra 41 histórias falsas que favoreciam Hillary Clinton e que foram compartilhadas 7,6 milhões de vezes. Dentre essas fake news, estava a de que a candidata Hillary Clinton estaria ligada a uma rede de pedofilia. Delmazo e Valente (2018) discutem em seu trabalho uma pesquisa de dezembro de 2016, realizada pelo Public Policy Polling, que apresenta a informação de que 14% dos eleitores de Trump acreditavam nessa notícia e outros 32% deles não sabiam dizer se era verdade ou não (Jensen, 2016). Diante dessas discussões, pode-se dizer que as fake news tiveram uma grandiosa repercussão e influenciaram os eleitores para a escolha de seu presidente, visto que Donald Trump ganhou a eleição com uma vantagem de 74 votos eleitorais.1

Ainda tratando sobre as questões políticas e ideológicas, alguns autores discutem que as fake news são criadas e se mantém nas vias informativas devido ao contexto da pós-verdade (Sousa et al., 2008; Bittencourt e Santos, 2019; Santos e Almeida, 2020). A pós-verdade é entendida como um contexto em que o próprio conceito de verdade perde sua relevância, pois verificam-se situações e circunstâncias em que os «fatos objetivos tem menos importância para moldar a opinião pública do que apelos à emoção e as crenças pessoais» (Sousa et al., 2008: 2), o que coloca as crenças em um patamar acima da verdade. Ainda sobre isso, Bittencourt e Santos (2019: 45) discute que o termo pós-verdade surge

num período no qual a sociedade internacional de forma ampla propaga mentiras, fofocas e boatos num ritmo acelerado, formando um ambiente global propício para a formação de grupos ideológicos nos quais os integrantes confiam mais uns nos outros do que em qualquer órgão tradicional da imprensa, ou até mesmo das definições de verdades, concebidas pela comunidade científica, se atendo ao conceito de verdade utilizado pelo seu grupo.

Assim, pode-se aproximar o fenômeno da disseminação das fake news com a influência da pós-verdade nos cidadãos, ou seja, se uma fake news corrobora ou confirma apenas a simples opinião de alguém, a percepção da informação por essa pessoa levará em consideração suas emoções e crenças, «cegando-as» diante da percepção dos fatos (Gomes, Penna e Arroio, 2020), levando-as a fortalecer sua opinião e a compreendê-la como uma verdade absoluta, conferindo-lhe o desejo de compartilhar com os demais algo que julgue confiável e que confirme o que já se pensava.

Com isso, é possível entender que esse seja um dos motivos do porquê das fake news fazerem tanto sucesso nos dias atuais: elas confirmam as opiniões pessoais, fazendo com que o ego humano infle, de modo que o sujeito se sinta como dono da razão. Por trás disso, há uma discussão complexa quanto à busca por aceitação e a necessidade doentia de querer sempre estar certo carregada pelo ser humano, o que não será discutido no âmbito deste texto, mas que nos indica o quanto o fenômeno do compartilhamento de informações propositalmente inverídicas está intimamente relacionado com as condições falhas humanas, podendo influenciar de maneira profunda a vida pessoal, social, política e econômica dos cidadãos.

O professor e filósofo Gaston Bachelard em sua obra A formação do espírito científico (1996) já discutia sobre a influência que a opinião poderia acarretar no desenvolvimento científico. Bachelard (1996) compreende que todas as pessoas carregam consigo opiniões que retratam exclusivamente as necessidades próprias, sendo uma parte particular e pontual no que diz respeito aos pensamentos. A opinião se refere a um conhecimento que se julga como verdade desde o momento em que se entrou em contato com algum fenômeno, sem passar por nenhum questionamento ou investigação consistente para se entendê-lo dessa maneira. Elas são entendidas como um obstáculo epistemológico para a formação do espírito científico, de forma que impede o indivíduo a buscar e compreender o que é científico. Assim, entende-se que as fake news, sendo intencionalmente produzidas com conteúdo falso, levam consigo também a intenção de não desenvolver as reflexões críticas, impedindo as pessoas de uma reflexão crítica do conhecimento, de modo a apenas confirmar ideologicamente as opiniões.

É importante discutir, então, sobre como as fake news podem ser relacionadas com as ciências, como elas desempenham um papel de confronto com a divulgação e compreensão científica dos fenômenos em diversos âmbitos. Um exemplo que pode ser citado, relacionado com a pandemia causada pelo novo coronavírus, é uma fake news que circulou pelas redes sociais que tratava sobre o termômetro utilizado em estabelecimentos para medir a temperatura corporal das pessoas e evitar que as que estejam em estado febril, um dos principais sintomas da COVID-19, doença causada pelo novo coronavírus, entrem no local. A fake news trazia um texto de uma suposta enfermeira dizendo que o raio infravermelho do equipamento poderia causar malefícios para a saúde, podendo provocar até mesmo câncer e cegueira, o que é falso,2 já que, na verdade, o aparelho mede a radiação emitida pela própria pessoa, um fenômeno natural, para medir a temperatura, e o raio vermelho utilizado funciona simplesmente para auxiliar no direcionamento para aferição. A propagação e repercussão dessa fake news foi tanta que em diversas localidades no Brasil passou-se a se medir a temperatura no punho, atitude que não garante uma medição precisa, o que pode levar a não detecção de uma pessoa em estado febril, a permissão da entrada dela no estabelecimento e, possivelmente, a transmissão do vírus para outras pessoas.

Diante de situações como essa, pode-se afirmar que o fenômeno das fake news, ocasionado especialmente pela rapidez do compartilhamento de notícias pela internet, é fato e as ações sistematizadas e amplas que a população pode fazer para combatê-las são bastante restritas, principalmente quando o acesso à educação de qualidade não é universalizado. A sociedade pode cobrar políticas públicas que atuem de forma mais ampla para o combate das fake news mas, para isso, é necessário uma compreensão de como elas funcionam e o desenvolvimento de uma reflexão crítica quanto aos conteúdos que nos deparamos na internet. Para isso, entende-se que é necessária a formação da população que vise esse objetivo, o que pode ser desenvolvido a partir do ensino de ciências.

Deste modo, abordaremos a seguir apontamentos da literatura sobre as fake news no âmbito do ensino de ciências, indicando potencialidades e desafios dessa relação, além de lacunas da pesquisa em ensino de ciências que precisam ser preenchidas para avançarmos no debate.

Fake news e o ensino de ciências

Para investigar como a população percebe as fake news e busca compreendê-las, Monari e Bertolli Filho (2019) se propuseram a analisar o canal de comunicação Saúde sem fake news,3 do Ministério da Saúde do governo brasileiro. Esse canal de comunicação fora criado para que a população brasileira encaminhasse as notícias que recebiam e que gostariam de verificar se eram falsas ou não. Os autores buscaram identificar o perfil das informações levadas até o canal, no período de agosto a dezembro do ano de 2018. Para isso, tecem discussões que levam a entender que a saúde é o segmento mais prejudicado diante das fake news, justamente por apelar para o afetivo e o emocional das pessoas, alcançando o convencimento sobre a veracidade do conteúdo de forma mais fácil.

Apesar de a plataforma ter recebido, em média, 3.860 mensagens com as notícias duvidosas, os autores colocam que apenas 33 delas foram publicadas no site do canal, que foram as analisadas por eles. Como resultados, foram identificadas algumas características das fake news, como: a apresentação de áudio e imagem, em conjunto; o uso do nome de um especialista, verdadeiro ou inventado; uso de adjetivos no título ou corpo do texto, geralmente de forma bastante expressiva, o que não é comumente utilizado pelo jornalismo; e o uso predominante da linguagem em terceira pessoa.

Montagnolli et al. (2020) também discutem sobre alguns aspectos que se aproximam do verificado por Monari e Bertolli Filho (2019) como comuns nas fake news, que poderiam auxiliar em sua identificação, que são:

(1) a menção direta de instituições reconhecidas como órgãos governamentais, clínicas, hospitais e instituições de pesquisa, incluindo as universidades, ou de personalidades da área da saúde; (2) a descontextualização de imagens para «comprovar» o teor das mensagens, ou seja, imagens verdadeiras produzidas em outras situações ou momentos são transpostas para o contexto relacionado à pandemia e, por último, destacamos (3) o tom apelativo das mensagens, para que as pessoas fiquem atentas às informações e as repassem para que outras também saibam e tomem providências. (Montagnolli et al., 2020: 402)

Mas, para que a identificação desses aspectos e a reflexão sobre a veracidade ou não da informação aconteça, é necessário que o leitor tenha uma formação crítica, como discutem diversos trabalhos (Busko e Karat, 2019; Dantas e Deccache-Maia, 2020; Fonseca e Franco, 2020; Gomes, Penna e Arroio, 2020; Milaré, Richetti e Silva, 2020; Montagnolli et al., 2020). Entende-se que tal formação deve possibilitar à pessoa que veja as informações e os acontecimentos de seu cotidiano além de suas percepções pormenorizadas por suas opiniões. Uma pessoa formada criticamente é capaz de questionar, buscar respostas a essas questões e discutir sobre qual delas melhor corresponde à situação, apoiando-se em conhecimentos de diferentes áreas (Fourez, 1994). Montagnolli et al. (2020) defendem que o conhecimento científico é essencial para que isso ocorra e Milaré, Richetti e Silva (2020), além de concordarem com tal afirmação, compreendem a Alfabetização Científica e Tecnológica como perspectiva capaz de alcançar esse objetivo de formação crítica.

Para se alcançar essa formação crítica algumas possibilidades são encontradas na literatura, como: a divulgação científica (Dantas e Deccache-Maia, 2020); o ensino de ciências a partir da Educação Ciência-Tecnologia-Sociedade (cts) (Fonseca e Franco, 2020) e pautado na natureza do conhecimento científico; o letramento científico, midiático e informacional (Gomes, Penna e Arroio, 2020); e, como citado anteriormente, a Alfabetização Científica e Tecnológica (Milaré, Richetti e Silva, 2020).

Fonseca e Franco (2020) apresentam uma extensa discussão sobre a possibilidade de abordagem dos aspectos da pandemia do novo coronavírus no ensino de ciências a partir da Educação cts. Os autores indicam que as temáticas envolvidas com a pandemia podem ser eficientes para um ensino de ciências «além dos conteúdos conceituais» se pautadas nas questões cts, podendo proporcionar discussões nos âmbitos político, ambiental e social, de modo a «possibilitar a formação crítica em torno de questões atuais, [o que] favorece possíveis posicionamentos sobre temas contemporâneos» (Fonseca e Franco, 2020: 6). Assim, a formação crítica que pode ser alcançada por meio do ensino de ciências baseado nas discussões cts pode auxiliar os estudantes na tomada de decisões de seu dia a dia e a impedir que sejam influenciados pelas informações de maneira acrítica.

O ensino de ciências pautado na natureza do conhecimento científico é afirmado como necessidade por Montagnolli e colaboradores (2020) para que seja possível a formação crítica das pessoas. Isso porque «são fundamentais a leitura crítica e a compreensão ampla do desenvolvimento científico [para evitar] […] a divulgação de informações distorcidas, falsas ou com redução de variáveis» (Montagnolli et al., 2020: 406, destaque nosso), visto que a ciência é um processo dinâmico, que frequentemente constrói e reconstrói conhecimentos, e que é passível de erros, exatamente por envolver o aspecto humano em torno de toda sua formação. É essa compreensão, que é complexa e, consequentemente, difícil de ser desenvolvida, que possibilita aos cidadãos discutirem com informações diversas, até mesmo com os resultados de pesquisas que estão em desenvolvimento, tão visadas e discutidas em meio à situação atual de busca por soluções para a doença COVID-19.

Diante disso, pode-se dizer que o fenômeno das fake news e a era da pós-verdade são fatos. Há um direcionamento da literatura analisada para um caminho que pode contribuir para a superação dos impactos das fake news em médio e longo prazo: a formação crítica das pessoas. Essa formação deve ocorrer por meio de processos educativos, especialmente a partir do ensino de ciências, que permitam abranger assuntos e conteúdos relacionados aos conhecimentos científicos que deverão ser utilizados como uma ferramenta pelos cidadãos.

Porém, um ensino de ciências que se propõe a desenvolver essa formação ainda não é realidade do Brasil de forma ampla e democrática. Para mudar essa realidade, há propostas e possibilidades na literatura. Busko e Karat (2019) discutem sobre a importância e a necessidade de se pensar a formação de professores para buscar esse objetivo. Ao proporem uma oficina sobre a relação do vírus zika e os casos de microcefalia em recém-nascidos, direcionado especialmente para professores, os autores chamam a atenção para essa lacuna ainda existente nas produções brasileiras. Entende-se que apenas uma formação de professores pautada nos pressupostos de criticidade e reflexão pode promover um ensino de ciências com essas características na escola básica.

Além disso, Milaré, Richetti e Silva (2020) apresentam em seu trabalho a indicação de uma lacuna na área de pesquisa em ensino de ciências, quanto à falta de trabalhos relacionados às fake news que possam ser utilizados como fundamento para o ensino de ciências na educação básica. As autoras argumentam ser bastante possível trabalhar com as fake news de forma articulada com os currículos escolares, mas que faltam pesquisas teóricas que possam dar subsídio aos professores para que isso aconteça.

Por fim, de acordo com os trabalhos verificados e os estudos realizados, as discussões na literatura brasileira sobre as possibilidades de discutir as fake news no âmbito do ensino de ciências são emergentes, mas já apontam para sua potencialidade. Trata-se ainda de um debate necessário e urgente diante de diversas situações cotidianas em que a falta de criticidade para analisar informações acarretam consequências que podem ser catastróficas na vida pessoal e, também, para a humanidade como um todo, como, por exemplo, a existência de grupos antivacina (Busko e Karat, 2019; Monari e Bertolli Filho, 2019; Milaré, Richetti e Silva, 2020; Montagnolli et al., 2020). Desta forma, enfatiza-se que a temática das fake news e suas implicações no ensino de ciências é uma lacuna da área de pesquisa em ensino de ciências no Brasil que merece atenção, especialmente por tratar diretamente sobre as condições e tomadas de decisões das pessoas e, consequentemente, dos caminhos que a sociedade está percorrendo.

Diante dessas contatações, a perspectiva da Alfabetização Científica e Tecnológica (act), proposta por Fourez (1994), apresenta-se como uma possibilidade para abranger as discussões sobre as fake news e seus desdobramentos para o ensino de ciências. A act busca uma formação crítica dos estudantes a partir do desenvolvimento de três principais objetivos gerais, que são: autonomia, comunicação, domínio e negociação. Assim, espera-se que uma pessoa alfabetizada científica e tecnologicamente tenha autonomia diante do contexto que está inserida para se comunicar com os demais, sejam eles especialistas ou não, a fim de utilizar do domínio de diferentes conhecimentos científicos para, a partir de uma negociação com todos os sujeitos e as condições envolvidas, buscar resolver os desafios e problemas encontrados em seu dia a dia. Como exemplo de desafio a ser enfrentado, tem-se a avalanche de informações que se depara cotidianamente e a grande possibilidade de se deparar com fake news. Com o desenvolvimento dos objetivos da act, o cidadão é capaz de analisar criticamente as informações, sendo menos provável que irá acreditar nas fake news e, consequentemente, irá evitar o compartilhamento do conteúdo e orientará as pessoas a sua volta sobre o mesmo.

Outro aspecto fundamental para a proposta de uma formação crítica dos estudantes é discutido por Fourez (1994) e, também, por Freire (2013), que é a condição de protagonismo e significação dos conteúdos de ciências diante dos estudantes. Assim, a partir desse protagonismo busca-se dar voz a todas as pessoas envolvidas no processo de ensino e aprendizagem, de modo que se possa realizar uma educação libertadora, que é vista como um processo de comunicação para Freire (2013). Ao utilizar fake news que os estudantes tenham acesso como meio de contextualização e problematização dos conhecimentos científicos a serem discutidos, garante-se a significação necessária para que os estudantes se sintam interessados e engajados para o desenvolvimento das atividades, possibilitando o alcance dos objetivos gerais da act e a promoção de uma formação crítica.

Considerações finais… ou iniciais?

Sendo as fake news informações falsas criadas de forma intencional para manipular e persuadir seus leitores, com o intuito de se obter algum tipo de vantagem, e que possuem um acesso fácil e rápido perante o uso da internet, elas percorrem o dia a dia de diversas pessoas do país e do mundo. Suas implicações e consequências, que podem ser catastróficas, nos levam a pensar que é necessário combatê-las. Apesar de a sociedade poder cobrar políticas públicas nesse sentido, garantir à população uma formação crítica pautada em discussões e conhecimentos científicos ainda é imprescindível para a condução desta cobrança e vigilância.

Defendemos que essa formação crítica só é possível de ser desenvolvida diante de uma educação que tenha esse objetivo, especialmente o ensino de ciências, seja no âmbito da educação em espaços escolares ou não. Ainda é pouco o que a literatura brasileira apresenta de discussões quanto a isso, mas alguns direcionamentos podem ser delineados. Um ensino que vise colocar em xeque as fake news deve considerar a natureza da ciência, abordar as relações cts e promover a Alfabetização Científica, Tecnológica, midiática e informacional. Além disso, as ações de divulgação científica desempenham um papel importante nesse processo, sobretudo quando consideramos a aprendizagem sobre ciências em espaços não escolares.

Desta forma, o papel da pesquisa em ensino de ciências é o de buscar compreender e propor possibilidades e maneiras em que seja possível discutir o fenômeno das fake news de modo a buscar a formação crítica das pessoas, para assim contribuir com a disseminação dos conhecimentos científicos que serão capazes de mudar e melhorar as situações e condições de vida de nossa sociedade.

Agradecimentos

As autoras agradecem à Pró-Reitora de Extensão (ProEx), à Fundação de Apoio Institucional ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (fai) e ao Centro de Ciências Agrárias (cca) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) pela bolsa de extensão concedida à autora principal (Projeto n.º 23112.009861/2020-43) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (capes).

Referências

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Bachelard, G. (1996). A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto.

Bittencourt, H. B.; Santos, G. L. dos (2019). Fake news e sua categoria tipológica de violência na contemporaneidade. Diaphora, 8 (2), pp. 42-48. DOI: 10.29327/217869.8.2-6.

Braga, R. M. da C. (2018). A indústria das fake news e o discurso de ódio. In Pereira, R. V. (ed.), Direitos políticos, liberdade de expressão e discurso de ódio. 1st edn. Instituto para o Desenvolvimento Democrático, pp. 203-220. Available at: http://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/handle/bdtse/4813.

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Notas

1. Disponível em: http://especiais.g1.globo.com/mundo/eleicoes-nos-eua/2016/apuracao. Acesso em 8 março 2021.
2. Artigo intitulado «Notícia falsa: o laser infravermelho do termômetro faz mal!». Disponível em: https://cref.if.ufrgs.br/?contact-pergunta=noticia-falsa-o-laser-infravermelho-do-termometro-faz-mal. Acesso em 27 de outubro de 2020.
3. O site indicado no trabalho de Monari e Bertolli Filho (2019) nos direcionado ao endereço: https://antigo.saude.gov.br/fakenews, que foi acessado no dia 10 de março de 2020. Aparentemente, o site deixou de ser utilizado e apresenta, então, apenas publicações antigas.
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